segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Cruzados, heróis ou vilões?


Cruzados, heróis ou vilões?

Por Deborah Azevedo

É incrível como as pessoas têm a tendência de criar heróis e vilões dentro da historiografia, Fazem isso, sem ao menos analisar o contexto histórico, os valores sócio-culturais-econômicos de uma determinada época, e pior, transportam seus valores atuais, para um passado onde estes, nunca existiram, criando seus “bandidos e mocinhos”.

Muitos destes, ou são desinformados sobre os acontecimentos e personagens históricos, ou em muitos casos, podemos dizer que são desonestos mesmo, pois usam determinados recortes históricos para passar uma visão totalmente falseada dos fatos, de acordo com seus interesses.

Como exemplo, podemos citar as acusações contra a Inquisição Católica pelos protestantes. Eles acusam enquanto também tiveram a sua Inquisição.

Um outro exemplo do qual gosto muito são dos marxistas-comunistas, que usam Lênin como bandeira, um homem que pretendia a igualdade de todas as classes, este dizia que iria destruir a mentalidade pequeno-burguesa, mas na prática, a incentivou, causando mais desigualdades sociais, dando privilégios e benefícios a algumas lideranças étnicas locais, enquanto outras ficaram à margem da sociedade soviética, em um país composto de mais de 100 nacionalidades, apenas 15 foram reconhecidas.

Estes são alguns exemplos de vilões e heróis, criados pela historiografia tendenciosa. O mesmo pode-se dizer que acontece com os Cruzados, eleitos os vilões da História, enquanto os muçulmanos são as vítimas, Saladino foi eleito o herói!

Mas o quanto existe de real em tudo isso?

A primeira pergunta que devemos fazer, quanto ao episódio das Cruzadas e a tomada de Jerusalém é a seguinte:

O que cristãos e muçulmanos estavam fazendo neste local, em meados de 1097, época da Primeira Cruzada?

Como é sabido de todos, o cristianismo nasceu em Jerusalém com seu fundador Jesus, e após sua morte, foi expandido por seus discípulos e principalmente por Paulo para regiões adjacentes e Europa.

É então natural que os primeiros cristãos tenham se fixado em Jerusalém, com sua crença tendo neste solo, seus locais sagrados e de peregrinação, afinal este é seu berço.

E os muçulmanos, de onde vieram, onde nasceu o Islã?

O Islamismo nasceu em Meca com seu fundador Maomé, na Península Árabe, por volta do ano 610. Após a morte do profeta, em 632, sucessores começaram a política de dominação e expansão islâmica, aliás, islã, em árabe significa submissão, e em menos de um século chegaram à Europa. Enfim, em 637 chegaram a Jerusalém, que na época fazia parte do Império Bizantino.

Durante toda expansão islâmica é sabido que onde encontraram resistência converteram povos à força da espada, com os locais cristianizados não seria diferente!

Ao dominar Jerusalém, impuseram a princípio a destruição de igrejas e sinagogas, um bom exemplo é que construíram sua Mesquita, Al-aksa, terceiro local mais sagrado para o Islã, em cima de um local sagrado para os judeus e cristãos, as ruínas do Templo, e obrigaram aos judeus e cristãos a pagarem pesados impostos e os escravizavam segundo suas necessidades.

Enquanto dominavam a terra que pertencia ao povo judeu, continuava sua expansão rumo a Europa.

Segundo documentação histórica, o Papa Urbano II em 1097, ao convocar soldados para a defesa dos lugares santos, e de Bizâncio, lembrou a população todos os atentados sofridos e males causados aos cristãos na Terra Santa e na Europa, como documentou Foucher de Chartres. Segue parte do discurso usado por Urbano II:

“De fato, como a maioria dentre vós já tem conhecimento, um povo vindo da Pérsia – os turcos – invadiu o país deles. Avançou até o Mediterrâneo e, mais precisamente, ao que chamamos de Braço de São Jorge. Nas terras da România, eles aumentaram seus territórios continuamente, em detrimento das terras de cristãos, depois de terem-nos vencido em sete ocasiões fazendo guerra. Muitos tombaram sob seus golpes, muitos foram reduzidos a escravidão. Estes turcos destroem igrejas, saqueiam o reino de Deus.”

Como o leitor pode observar, o Papa falava a um povo conhecedor de todas as misérias causadas pelos muçulmanos. É natural que a população tivesse muita mágoa deste povo, afinal tomaram suas terras, escravizavam os seus, destruíram suas igrejas, é compreensível que os homens, as mulheres, os jovens e os velhos quisessem ir às cruzadas. É sabido, também, que durante toda Idade Média, ocorriam peregrinações européias à Jerusalém, e que os maometanos capturavam os peregrinos no meio do caminho, para servi-los e no caso de resistência e não conversão, matavam sem pensar duas vezes!

É fato conhecido, como afirma José Jobson A. Arruda em sua obra, História Antiga e Medieval, que os muçulmanos compravam jovens escravas cristãs capturadas na Costa do mar Adriático para mandar para os seus haréns no Egito e Síria, e isso tudo com certeza revoltava a população do Ocidente.

Portanto, quanto o Imperador de Bizâncio Aleixo Commeno, pediu ajuda a Urbano II, contra os muçulmanos, sabia exatamente o que iria acontecer à sua bela cidade e capital Bizâncio, visto que estes, já tinham ocupado e dominado a cidade cristã de Nicéia.

Poderia o Papa deixar o Ocidente e Oriente cristão a mercê do Islã? Poderia ele deixar de prestar socorro a Igreja do Oriente? Isso, segundo sua mentalidade medieval talvez não parecesse falta de caridade? Não sabia ele, que depois da conquista de Bizâncio, Roma seria o próximo destino? Deveriam os cristãos ficar esperando seu fim, sem fazer nada?

Ora, qualquer um no lugar, teria feito o mesmo! Se defender! E por isso foi reunida uma força militar organizada, os Cavaleiros Pobres de Cristo, embora seja sabido que a primeira vez, o que se reúne para ir a Jerusalém, é exatamente um exército de homens e mulheres pobres e maltrapilhos, que não estavam preparados militarmente, e que foram exterminados pelo exército muçulmano, mas quem os pode acusar? Todos só queriam defender aquilo que estava sendo profanado, sua cidade Santa, todos só foram lutar pelo Cristianismo, que estava sendo ameaçado, juntamente com sua vida e dignidade! E sim, como prometera o Papa, aqueles que lutassem para que o Cristianismo não acabasse, ganhariam o céu! E acredito que o ganharam!

Este é o tempo que começam a surgir também as Ordens, como a dos Mercedários.

Segundo o Pe. José Herculano de Negreiros O.M, em seu livreto: Novena a Nossa Senhora das Mercês:

“Os cristãos eram capturados e submetidos a trabalhos forçados e à dura escravidão, da qual podiam melhorar ou livrar-se renunciando à fé Católica e abraçando as doutrinas e costumes muçulmanos. Infelizmente, muitos, ante a impossibilidade de aguentar uma vida tão ignominiosa, terminavam fazendo a vil troca de Cristo e sua Igreja por Maomé e seus costumes.”

Foi devido a esse tipo de situação que surgiu a Ordem dos Mercedários, para o resgate dos cristãos escravos.

Segundo o mesmo padre:

“Os maometanos saíam da península Ibérica onde também dominavam para ir aos mares da Itália e França assaltar embarcações, roubar, matar e levar para o cativeiro no norte da África os homens, mulheres e crianças que encontravam.”

A História registra também o surgimento de uma outra Ordem, Ordem dos Hospitalários segundo o Historiador George Tates, especialista em Oriente dos séculos III ao XII D.C e professor na Universidade de Versailles, esta surge para cuidar dos doentes e peregrinos, que se encontravam próximos a Igreja do Santo Sepulcro em por volta de 1070, esta Ordem de caridade acabou se transformando em Ordem militar, para proteger peregrinos dos sarracenos, aos monges de tal Ordem também foram dados numerosas fortalezas no Condado de Trípoli, e a eles cabia a defesa das mesmas.

Agora leitor, pense comigo: Se não houvesse necessidade, para quê os monges deixariam suas orações para pegar em armas? Se não houvesse perigo porque fazer fortalezas fortificadas? Será que a Terra Santa era tão segura? De quê tinham medo? Afinal de contas, não afirma a historiografia que a Igreja neste tempo, era a toda poderosa?!

Antes da chegada dos maometanos, todas as casas dos Hospitalários eram conventos, casas de oração, tiveram então, que se adaptar aos novos tempos tão perigosos!

Segundo Tates, surge também a “Cavalaria dos Pobres de Cristo” ou, os Cavaleiros do Templo, como passaram a ser chamados pela população, os Templários, sua função, a proteção dos peregrinos, que seguiam nas estradas que conduziam a Jerusalém e Jericó.

Surge então no cenário uma figura tão criticada nos dias de hoje, São Bernardo, com bases nas opiniões e moralismos atuais, que não leva em conta os tempos difíceis em que este homem viveu.

São Bernardo foi então convocado para animar os cavaleiros de Cristo, afirmando que aqueles que morressem em batalhas o fariam por amor a Cristo, portanto não tivessem medo de matar ou morrer para defender a Terra Santa que pertencia a Cristo.

Infelizmente, essa defesa teria que ser feita com armas, pois o inimigo não deixava outra escolha!

Caro leitor, São Bernardo tinha razão!!! Não há como imaginar os cristãos pedindo educadamente para os maometanos irem embora, e vê-los partindo sem reação. Os conflitos existentes entre judeus e palestinos até hoje, e o 11 de setembro, nos mostram que eles são guerreiros, que não desistem fácil daquilo que querem!

É perfeitamente compreensível que os homens da Idade Média pensassem assim, afinal, em toda parte estava o flagelo muçulmano. Porém é interessante ressaltar o seguinte trecho do discurso de São Bernardo, segundo documentação histórica, citada por Jean Richard, in L’ Espirit de croisade, Paris, 1969:

“Contudo não convém matar os pagãos, se for possível encontrar um outro meio de impedi-los de perseguir ou de oprimir os fiéis.”

Outro trecho interessante diz o seguinte:

“Que sejam repelidos para longe da cidade do Senhor, aqueles que contém a iniquidade, aqueles que se esforçam para roubar as inestimáveis riquezas que Jerusalém reserva ao povo cristão, aqueles que querem profanar lugares santos e se apropriar dos santuários de Deus.”

Percebe-se que no primeiro fragmento exposto, a intenção não era simplesmente matar, como sugerem muitos professores e historiadores desonestos, quando falam dos Cruzados, mas sim, se fosse possível manda-los embora sem conflitos, mas sabemos que isso não ocorria, não havia como evitar a luta.

No segundo fragmento São Bernardo nos fala de igrejas e lugares santos profanados, porque será que diz isso?

A arqueologia atual tem a resposta, qualquer um que visite Israel em turismo, hoje pode verificar as ruínas desse período. Os guias explicam aos turistas que a partir do ano de 969, começaram as perseguições contra cristãos e judeus, igrejas e sinagogas foram destruídas e o Santuário do Santo Sepulcro também o foi.

Por isso a defesa do legado cristão e da gente cristã era necessária!!!

A partir desta mesma época, com a expansão islâmica, sabe-se que em todos os lugares ocupados pelos muçulmanos, as peregrinações de cristãos tanto a Israel como a outros lugares santos ocupados, foram proibidas, e os cristãos neste lugares, oprimidos pelo novo sistema, que os obrigava à escolher entre conversão forçada ou morte!

Diante desta opção não tinham os cristãos outra opção a não ser lutar!

Quando chegaram às portas de Bizâncio, ficou claro, que a capital, onde existiam tantas relíquias cristãs e Igrejas e centro comercial da Europa deveria sim ser defendida, uma vez que já tinham tomado a cidade cristã de Nicéia, tão cara aos cristãos! Entram em cena os Cruzados!

Saladino “herói” e vencedor, no episódio da tomada de Jerusalém, é retratado no filme hollywoodiano “A Cruzada”, como um homem justo que permitiu que todos os cristãos fossem embora sem sofrer prejuízo. Mas será que ele foi tão bonzinho assim?

Segundo o professor de História francês Damien Carraz, em sua tese intitulada Ordres militaires, croisades et sociétés méridionales. L’ordre du Temple dans la basse vallée du Rhône. 1124-1312. A história não foi bem assim.

Ele cita que cristãos capturados eram em geral executados, embora todos saibam que o costume medieval em guerras, era as trocas de prisioneiros e os resgates.

Após a derrota Cristã de Haittin, em julho de 1187, Saladino mandou decapitar 200 Templários e Hospitalários, e ainda teria dito:

“Quero purificar a terra dessas duas ordens imundas, cujas práticas são sem utilidade, e jamais renunciarão à sua hostilidade e jamais servirão como escravos.”

Ao contrário da imagem que Hollywood quis passar, Saladino não foi tão bonzinho assim e a intenção dele era clara, fazer dos cristãos, escravos, aqueles que para ele não serviam, acabavam mortos!

Sabemos ainda que após Saladino um outro sultão inflingiu grande perseguição aos cristãos e judeus. Ainda hoje o turista ao ir a Israel, pode ver as ruínas de cidades cruzadas, de igrejas e sinagogas destruídas por Baibars I, sultão mameluco que reinou no Egito e na Síria, por volta de 1260 a 1277.

Portanto é muito conveniente para aqueles que não viveram as difuculdades dos cristãos da Idade Média apontar o dedo no rosto daqueles que apenas tentaram defender os seus, e sua religião. O julgamento daquela gente não pertence a nós, que não vivemos e não entendemos os sentimentos, as dificuldades e necessidades deles, e sim a Deus que tudo vê e tudo sabe.

Você que está lendo este texto agora, permitiria que alguém entrasse na sua casa, destruísse todos seus móveis, roubasse seus bens, destruísse sua casa, matasse seus amigos e parentes, levasse seus filhos como escravos e ainda sua esposa e suas filhas para um harém? Se sua resposta for sim, então, caro leitor, pode começar a dormir sem passar trancas nas portas de sua casa, e esperar o ladrão.

Quem de nós numa situação dessas podendo pegar em armas para se defender não o faria?

Fica claro que aos cristãos não restou outra opção, a não ser se organizar e lutar. E se eles não o tivessem feito, você, caro leitor, talvez nem soubesse hoje o que é cristianismo.


Fonte:

Imagem: Google.


Deborah Azevedo , Historiadora.

O Oriente das Cruzadas, George Tate, editora Objetiva, 2008.

Discurso de Urbano II pág. 130.

Discurso de São Bernardo pág. 146 e 147.


Livreto: Novena a Nossa Senhora das Mercês, Pe. José Herculano de Negreiros, OM, edições Loyola, págs. 3 e 4.

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