Não permita que o mundo virtual empobreça suas relações
Patricia Gebrim
Outro dia fui com uma amiga a um restaurantezinho próximo do
meu trabalho. Fazia tempo que não nos víamos e eu tinha feito uma lista
enumerada com os assuntos que tínhamos para atualizar.
Assim que nos sentamos, ainda antes de escolhermos os
pratos, veio um som assustador de dentro da bolsa de minha amiga:
- Qui!... Qui!... Qui! (som onomatopaico da musiquinha do
filme Psicose, tentei reproduzir como pude!). Era o toque do seu celular.
Sem cerimônia ela atendeu e falou por uns 10 minutos com a
mãe de uma amiguinha de colégio de sua filha, e lá fiquei eu sabendo detalhes
sórdidos da separação dessa moça, que evito nomear por respeito à sua
privacidade. Finalmente, quando desligaram, achei que a nossa conversa poderia
começar.
Fizemos o pedido e logo no primeiro assunto lembrei de uma
amiga em comum. Mal toquei em seu nome, e minha amiga disse que era sua amiga
em uma rede social e decidiu abrir o perfil dela para me mostrar. E lá que se
foi mais um tempão até que ela conseguisse se conectar. Pediu a senha do wi-fi
ao garçom; brigou quando não deu certo, acabou conseguindo, levou mais um tempo
abrindo as fotos, praguejou quando as fotos não carregaram; e depois de uma
eternidade, quando finalmente me mostrou um rosto quadradinho lá no seu
celular, tive que lhe dizer que estava sem óculos e não fazia a menor ideia se
estávamos falando da mesma pessoa; uma vez que a foto era pequena demais para
que eu a pudesse enxergar.
A comida chegou, respirei fundo e aceitei que teria que
priorizar os itens da minha lista, uma vez que não teríamos tempo para
conversar sobre tudo.
Recomeçamos a conversa, que já estava meio truncada, quando
um bip veio de novo do seu celular. Eu, já irritada, olhei para ela com olhos
mortais, daqueles dos quais saem mini facas na direção da pessoa que provoca
esse meu olhar. Infelizmente ela não percebeu, já estava com o monstrinho na
mão, o rosto tooodo vermelho e aquela voz melada que me deu vontade de jogar na
tigela de sopa aquela droga de celular.
Sem perceber nada ela praticamente miou... - Ah... É o
Fabinhoooo!!! Que fofo!
Eu achei que era só uma mensagem, mas ela começou a apertar
as teclas loucamente. (Como alguém consegue fazer aquilo tão rápido?). Ela
apertava teclas e ria... apertava teclas... e fazia comentários breves em voz
alta, como se eu soubesse do que ela estava falando, eu que nem fazia ideia de
quem era o tal Fabinho!!! Isso durou um tempo enorme. Ela levantava a mão para
mim, como que pedindo para que eu aguardasse e continuava a teclar.
Comi em silêncio, me sentindo meio ridícula. Olhava ao
redor, tentando imaginar se as pessoas das outras mesas estavam prestando
atenção no que acontecia na nossa. Para meu espanto, vi a mesma cena se
repetindo em outras mesas, e os acompanhantes abandonados me lançaram olhares
de cumplicidade. Pensei em sugerir aos restaurantes criar espaços separados, em
alguns deles seria terminantemente proibido usar o celular.
Por outro lado - continuei imaginando - na sala dos usuários
de celular as pessoas se sentariam lado a lado, em balcões com apoios para o
aparelho que viriam do teto, e fones de ouvido. Afinal, não seria necessário
que se sentassem em mesas com outras pessoas, uma vez que só se relacionavam
mesmo com o tal celular. Talvez pudessem ser alimentados por sondas, ficando
com as mãos livres para teclar.
Bem, o término da conversa de minha amiga com o tal Fabinho
me fez sair desses devaneios.
- O que estávamos falando mesmo? - perguntou minha amiga,
aparentemente sem se dar conta de que eu tinha jogado a lista dentro do
aquário. Os peixes pareciam estar mais interessados em minha lista do que ela.
Meu horário de almoço tinha acabado, eu precisava ir.
- Preciso ir - disse eu, um tanto irritada.
- Puxa, mas já? - disse ela. - Que pena! Vamos marcar outra
vez em que você possa ficar e conversar. Você tem e-mail para a gente combinar?
_ ...
Embora tenha dado um tom bem-humorado a essa estória, acho
de verdade triste a forma como as relações humanas vem sendo afetadas pelo uso
indiscriminado e desrespeitoso dos celulares e afins.
Será que, como alguns filmes de ficção científica já
previram, nos tornaremos meio humanos meio máquinas?
Mais do que ditar regras de etiqueta para o uso do celular e
afins, clamo a cada um de nós que resgate o bom senso no uso desses aparelhos
que, se de verdade tem tantas utilidades maravilhosas, também parecem ter a
horrenda capacidade de, pouco a pouco, trazer um profundo isolamento e
empobrecer as relações humanas.
Se eu tivesse que dizer o que de verdade penso sobre tudo
isso, diria:
- Não se tornem robôs. Lutem para manter vivo o que de
melhor existe em vocês. Não deletem as pessoas reais de suas vidas em pró de
trocas virtuais fadadas à idealização.
A vida está à sua frente, agora mesmo, querendo se dar a
você. Abra os braços e a abrace com todas as suas forças... É ela que irá
abraçar você de volta quando você precisar, acredite. Ainda não conheço nenhum
aparelho capaz de fazer isso com alma.
Fonte: Patricia Gebrim
Vídeo: dtac
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